Arooj Aftab Foto: Divulgação

Arooj Aftab: “Me perdi no jazz assim que o encontrei”

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Jota Wagner conversa com a artista paquistanesa-americana, atração do Auditório Ibirapuera no primeiro dia de C6 Fest 2025

– “Me desculpe pela voz rachada, acabo de sair de uma dengue”, digo a Arooj Aftab.

– “Sua voz está super heavy metal. E eu estou com uma baita ressaca, então estamos numa boa”, ela me responde, quebrando o gelo para a entrevista que deu ao Music Non Stop. A artista paquistanesa radicada em Nova Iorque se apresenta no Auditório Ibirapuera na quinta-feira (22) do C6 Fest 2025, dividindo a noite com Amaro Freitas e Joe Lovano, substituto de última hora de Mulatu Astatke, que acabou cancelando sua vinda devido a um infarto.

Mulatu Astatke
Você também vai gostar de ler Ícone Mulatu Astatke cancela seu show no C6 Fest

Atualmente, a garota que começou a consumir música de forma faminta e “se perdeu no jazz no momento em que o encontrou” se tornou um dos maiores orgulhos do Paquistão. Sua música é um cruzamento cultural sem amarras. E nessa suruba, entra até o Brasil. Aftab já passeou pela Bahia antes da pandemia, e fez música com Badi Assad.

Arooj Aftab conversou conosco às vésperas de sua primeira vinda profissional ao Brasil.

Jota Wagner: Eu estava ouvindo seu último álbum, Night Reign. Há uma música lá que me pegou especialmente, Bolo Na

Arooj Aftab: Bolo Na é uma música bem antiga. Eu a escrevi quando tinha 15 anos, e é por isso que você consegue ouvir uma espécie de raiva heavy metal. É algo como: “me diz, diz que me ama, você me ama?”. Logo depois que eu a escrevi, virei uma musicista profissional. Então, ela ficou irrelevante para mim, sabe? Eu não precisava mais perguntar para ninguém se ela me amava ou não. Então a tirei do meu repertório para sempre.

Quando eu estava escrevendo Night Reign, me veio um groove de bateria e uma linha de baixo que me fez pensar: “isso é demais, o que vou fazer com isso?”. Por um longo tempo, não tinha para onde ir. Por causa da linha de baixo e bateria, ficou meio orientada para uma espécie de rap. Um dia estava pensando nisso e me lembrei de Bolo Na. A ideia pegou fogo em mim. “Vai funcionar! Vamos fazê-la de forma raivosa!” Passei a amar a letra novamente, a achá-la maravilhosa. É minha canção favorita do álbum.

A música paquistanesa deixa um espaço enorme para os vocais. Isso deixa a letra mais importante do que nunca?

Sem dúvidas!

E o que a inspira a escrever cada letra?

Eu procuro por bons versos. Não sou tão boa em urdu [idioma paquistanês] porque eu viajei muito e não tive minha educação formal no idioma. O urdu é muito poético, muito metafórico, e você pode empacotar muitos significados em pouquíssimas palavras. E como eu amo minimalismo, adoro procurar versos poéticos com poucas palavras. Não sou uma cantora espetacular, para ser honesta. Eu amo a música, amo cruzar linguagens, e acredito que cada instrumento deve contar sua história. Por isso minha música é estruturada desse jeito. Não está centrada nos vocais então, não se preocupe se você não entender as letras.

Eu sei que o Brasil tem uma grande tradição em contar histórias em suas músicas. Mas eu sou tímida, eu gosto de segredos, gosto de não contar a maior parte. Não gosto de ser superdireta, pelo contrário. É assim que escrevo músicas e meus poemas.

Você é uma grande fã de Billie Holiday, não é? Como sua música e demais sons ocidentais chegaram na sua vida?

Jota, quando você é jovem, tem uma espécie de fome, procura música feito um louco. Não fica contente somente como Spice Girls ou Backstreet Boys. Você caça música, de todos os tipos. Aí entrei de cabeça em Stan Getz e Billie Holiday, Nina Simone, Abbey Lincoln, Miles Davis… De repente eu estava assim: “Oh. Meu. Deus!”. Porque jazz é uma música de comunhão, de liberdade. É música de resistência e altamente improvisada. Foi um convite irrestível e é muito divertido. Me perdi no jazz assim que eu o encontrei.

E é desafiador misturá-lo com a música tradicional paquistanesa?

Eu nunca enxerguei regras na música. Eu só percebi a conexão. Nunca fui treinada de forma clássica, nem na música ocidental nem na paquistanesa. Mas isso também tem seu lado ruim. Que seja, eu sempre enxerguei somente as coisas comuns entre os estilos. A única música que estudei de verdade foi o jazz, e sua linguagem é bem aberta. As vezes não te dão nem as notas, o limite é seu, o que me deixou aberta para pular entre escalas, ritmos, inversões… Você pode tocar uma nota de mil jeitos. É o oposto do tradicional! É, tipo, faça do seu jeito. E é assim que eu faço.

É sua primeira vez no Brasil, certo?

A minha primeira vez tocando, mas já visitei o Brasil outras vezes…

E isso muda seu jeito de se preparar para o show do C6 Fest?

Olha, o Brasil é muito especial graças às pessoas. Eu sou conectada com a cultura brasileira há muito tempo. Em meu álbum anterior, colaborei com a Badi Assad, pra mim uma lenda. Visitei o país enquanto estava escrevendo Vulture Prince [2021]. A foto da capa do álbum foi tirada em uma praia da Bahia.

Está tudo muito perto do meu coração. É diferente de, sei lá, tocar na Bélgica. O Brasil é muito especial para mim, estou muito ansiosa e, Jota, todo mundo dança bem aí. Estou pensando até em pedir para as pessoas subirem ao palco. Vai ser demais, mal posso esperar!

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

OSZAR »